segunda-feira, 5 de maio de 2014

O Direito e o Poder; a Classe e o Estado

O Estado é a História considerada imóvel; a História é o Estado considerado fluente. O Estado real é a fisionomia de uma unidade da existência histórica. Somente o Estado abstrato dos teóricos é um sistema.

Guerra
Um povo é real somente em relação a outros povos, e essa qualidade consiste em oposições naturais, irremovíveis, em agressão e defesa, em hostilidade e guerra. A guerra é a criadora de todas as coisas grandes. Tudo o que tem importância na corrente da vida originou-se através de vitórias e derrotas. Um povo plasma a história, enquanto estiver “disposto”. Vive uma história interna que lhe propicia as condições necessárias para que possa tornar-se criado, e uma história externa que consiste em criação. Os povos, como os Estados, são, portanto, as forças propriamente ditas de todos os acontecimentos humanos. No mundo como história, não há nada acima deles. São eles o destino.

Para cada povo – e para cada família – existe um círculo de membros, que se acham ligados em unidade de vida pela constituição igual de ser externo e interno. Essa forma, dentro da qual flui a existência, chama-se costume, quando se originar espontaneamente do ritmo do curso vital, para depois tornar-se consciente; denominamo-la direito, cada vez que for instituída propositadamente e se impuser o seu reconhecimento. O Direito é a forma voluntária das exições que lhe são caras, porém as possui como particular. A vida, ao contrário do indivíduo, carece de consciência.

Frederico Guilherme I - O Rei Soldado
O autêntico estadista é a História em pessoa, sua direção como vontade individual, sua lógica orgânica como caráter. Mas também deveria ser educador num sentido elevado. É bem conhecido o fato de que nenhuma nova religião jamais modificou o estilo da existência. As religiões impregnaram, isso sim, o homem espiritual e criaram inestimável felicidade pela força da abnegação, da renúncia, da paciência até a morte. Somente a grande personalidade, somente o elemento racial inerente a ela, podem realizar criações na esfera da vida e alterar o tipo de classes e povos inteiros. Não a verdade, o bem, o sublime, mas o romano, o puritano, o prussiano, são fatos. O senso de honra, a consciência do dever, a disciplina, a resolução, não se aprendem de livros. São despertados por modelos vivos. Por essa razão, foi Frederico Guilherme I um dos maiores educadores de todos os tempos, cuja influência pessoal formou a raça e não desapareceu na sequência das gerações. Isso se aplica também às Igrejas, que são coisas muito diferentes das religiões; a saber, elementos do mundo real e, portanto, têm, quanto à sua direção, caráter político. Cumpre acrescentar que o mundo foi conquistado, não pela prédica cristã, mas pelo mártir cristão. Se este teve força para tanto, devia-a, não à doutrina, mas ao exemplo dado pelo Crucificado.

Mais importante e mais difícil do que as tarefas imediatas da ação e do mandato é a missão de estabelecer uma tradição. O grande estadista é uma figura rara. Se ele aparece ou não, se consegue ou não impor-se, se isso ocorre cedo ou tarde, depende do acaso. Criar uma tradição significa eliminar o acaso. A grande fraqueza de Bismarck reside na omissão de formar, ao lado do corpo de oficiais de Moltke, uma raça de políticos de igual valor, e que se identificasse com o Estado e as novas incumbências do mesmo. Um povo “soberano” nasce somente de uma minoria perfeitamente criada, completa em si mesma; minoria que atraia à sua esfera todos os talentos, a fim de empregá-los, e que, precisamente por isso, harmoniza com o resto da nação governada por ela. O alcance dos êxitos obtidos por épocas posteriores corresponderá exatamente à força da tradição que pulsar no sangue do povo.

Política
A política é a arte do possível. Todo indivíduo ativo nasceu em determinado tempo e para esse tempo. Com isso fica definido o círculo do que lhe é possível obter. A arte política reside na visão clara das grandes linhas, imutavelmente traçadas, e mão firme, capaz de manejar o que for singular e pessoal. O fato de ter explodido uma revolução demonstra sempre falta de tato político, da parte dos governantes tanto como de seus adversários. As formas políticas são formas vivas, a modificarem-se em certa direção. Quem quiser estorvar tal desenvolvimento cessará de estar “em forma”. O necessário deve ser feito no momento oportuno, quando ainda for um regalo. A influência sobre os métodos políticos é muito escassa. Mas, para que alguém esteja “em forma” política, é preciso que disponha irrestritamente dos recursos mais modernos. Os meios do presente serão por longos anos ainda os parlamentares: eleições e imprensa. O estadista pode respeitá-los ou desprezá-los, mas tem de dominá-los.

A política é, por último, a arte de manter a própria nação “em forma”, para que ela possa enfrentar os acontecimentos exteriores. A política interna existe, exclusivamente, em função da política externa e não vice-versa. O mestre político evidencia-se mais claramente na habilidade de harmonizar a forma pública do conjunto - “os direitos e as liberdades” - com o gosto da época, sem diminuir a capacidade da massa; consegue-o pela educação de sentimentos, tais como confiança, respeito à chefia, consciência da força, contentamento e, se necessário for, entusiasmo. Mas tudo isso recebe o seu valor somente em consideração do fato fundamental de que nenhum povo está sozinho no mundo, e de que o seu futuro será decidido pelo confronto de seu poderio com o de outros povos e potências, e nunca pela mera ordem interna.

[Trecho retirado de A Decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, p. 381 a 383; Editora Forense Universitária, 4ª edição, tradução de Herbert Caro]

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