domingo, 27 de abril de 2014

A Cultura e a Honra em uma Sociedade

[...] "A cultura é uma planta. Quanto mais perfeitamente uma nação representar uma cultura - a cujas criações mais nobres sempre pertencem os próprios povos culturais, - quanto mais estritamente ela estiver moldada e plasmada no estilo de uma verdadeira cultura, tanto mais ricamente articulado, segunda a classe e a ordem, será o seu talhe. Haverá distâncias respeitáveis entre os camponeses arraigados à terra e as camadas dirigentes da sociedade urbana. A altura do nível da formação, da tradição, da disciplina e dos costumes, bem como a superioridade inata das estirpes, círculos, personalidades dirigentes, determinam aí o destino da totalidade.

Uma sociedade neste sentido não está sujeita às classificações e utopias racionalistas; em caso contrário cessa de existir. Antes de tudo, ela se compõe de jerarquias e não de "classes econômicas". O ponto de vista materialista-inglês, que se desenvolveu a partir de Adam Smith ao lado do racionalismo crescente e sobre a base dele, sistematizado a quase 100 anos por Marx, de um modo cínico e trivial, não se justifica pelo fato de ter imposto e de dominar, neste momento, todo o pensar, ver e querer dos povos brancos. Nada é senão um indício da decadência da sociedade. 

Já antes do fim desde século,  levantar-se-á a pergunta admirada de como se pôde levar a sério uma classificação das formas e das diferenças sociais em "empregadores" e "empregados", isto é, a quantidade de dinheiro que cada um tenha, ou queira ter, como capital, renda ou salário, sem se considerar de toda a maneira como foi esse dinheiro obtido e como ele foi convertido em verdadeira propriedade, maneira essa que depende intimamente da posição social. Esse é o ponto de vista de parvenus e de sujeitos baixos que, no fundo, são do mesmo tipo, a mesma flor do pavimento da grande cidade, desde o ladrão e o agitador da rua até o especulador da bolsa e da política de partido.

Mas "sociedade" significa ter cultura, ter forma até no menor detalhe da atitude e do pensamento, uma forma que tenha sido criada pela seleção incessante de estirpes inteiras. "Sociedade" consiste no ter uma moral e uma concepção de vida severas, a penetrarem todo o ser com milhares de deveres e compromissos, nunca pronunciados e raras vezes conscientes, mas que convertem todos os homens que a professam numa unidade viva que estende, amiúde, além das fronteiras da nação. São exemplo disso as nobrezas da época das cruzadas e do século XVIII. Eis o que determina o valor; é a isto que se chama "ter mundo".


Já nas tribos germânicas designava-se isso, de uma forma quase mística, pela palavra honra. Essa honra era uma força que impregnava toda a vida das estirpes. A honra pessoal era apenas o sentimento da responsabilidade incondicional do indivíduo pela honra da sua classe, da sua profissão, da sua nação. O indivíduo vivia a existência da comunidade , e a existência dos outros era, ao mesmo tempo, a sua. O que ele fazia, arrastava consigo a responsabilidade de todos. Naquela época, um homem morria não somente animicamente quando perdesse a sua honra, quando o seu sentimento de honra, ou o dos seus houvesse sido mortalmente ferido, quer por sua culpa, quer pela culpa de outrem. Tudo quanto se chama dever, o elemento fundamental de todo verdadeiro direito, a substância básica de qualquer costume nobre, tem a sua origem na honra.

A casta dos camponeses tem a sua honra, assim como a dos artificies, o comerciante como o oficial, o funcionário público como as velhas famílias principescas. Quem não a tem, quem "não se importa" de estar numa situação decente perante si mesmo e perante seus semelhantes, é "vulgar". Eis o que é contrário a distinção, no sentido de qualquer sociedade legítima, e não a pobreza, nem a falta de dinheiro, como crê a inveja dos homens dos nossos dias, depois que se perdeu qualquer instinto para apreciar a vida e o sentimento nobre, sendo que essa perda é consequência de uma época em que as maneiras públicas de todas as "classes" e de todos os "partidos" são igualmente plebeias.[...]"

[Oswald Spengler - Anos de Decisão (1941), Edições Meridiano- Tradução de Herbert Caro- págs. 83, 84 e 85]

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